sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Educação é vagabundagem

Manhã de primavera, num pequeno colégio de Colombo, tentando ensinar Biologia Tecidual, uma aluna do primeiro ano do ensino médio se levanta a comentar:

"Professor, eu não preciso estudar isso, porque eu trabalho e estudar é coisa de vagabundo! "

Nesse momento coisas passaram pela minha cabeça. Os alunos se entreolharam e depois observaram aquela menina como se ela fosse algo como um... belvedere verde-fluorescente. Se um trator aparecesse voando pela janela da sala, não chamaria tanto a atenção como aquela menina, que parecia exalar feromônios de glória pelo grande feito.

Obviamente águas-frias jogam o professor, tentando defender a Educação e a ele próprio, pois o que um cara que ganha para estar ali, deveria fazer para defender o seu?

"Se você acha que estudar é coisa de vagabundo, o que você está fazendo aqui vagabundeando e não trabalhando".

Bastou para que a turma recebesse a resposta com comentários totalmente desnecessários em favor do professor. Mas a menina, insatisfeita com o resultado, retruca:

"Minha mãe é que me manda vir aqui, porque eu não queria estar aqui!"

E eu observo atentamente o sorriso da menina, que parece desta vez ter vencido o palavrório...

"Pois é, eu vagabundeei tanto na minha vida que estou aqui, professor da UFPR e professor da rede pública, consultor de projetos e (daí em diante foi como se meu cérebro conectasse à Plataforma Lattes)"


Momento de silêncio... da aluna que não falou mais nada desde então...

4 comentários:

Unknown disse...

Sabe que isso me deixa bastante triste. Saber que vivemos em um país onde alguém que não estudou mas, tem habilidades com a bola nos pés ou consegue ficar meses sem comer, para ser um cabide ambulante e desfilar mundo afora, tem muito mais chances de estabilidade financeira do que alguém que dedicou sua vida ao conhecimento.
Isso realmente é estarrecedor. Não podemos, no entanto, culpar essa menina. A sua frase é apenas sintomática. É um exemplo do quão nossa sociedade está repleta de valores esmigalhados e distorcidos.
Já houve o tempo em que o professor era figura preeminente na sociedade, tratado com toda consideração e respeito. Atualmente ser professor é coisa de gente idealista e um tanto ingênua (eu também sou professora e acredito na educação). Não sei o que o futuro nos reserva, mas o prognóstico não está nada bom.

Gustavo disse...

Eu sou testemunha dos tempos que voce vagabundeava na escola. Infelizmente, os adolescente (aborrecentes?) pensam que escola é perda de tempo, pra que ficar ouvido essas chatices, etc e tal..... Lembro bem que no nosso tempo, pensavamos quase da mesma forma. Lembra que nao entendiamos o porque de ter que ficar ali sentados ouvindo alguem falar sobre algo o qual nao nos interessavamos nem um pouco? É complicado my friend. Agora voce esta do outro lado da mesa. Um abraco.

Roberto Shiniti disse...

Talvez a escola não esteja cumprindo seu papel?

Queisse disse...

Nossa...
É de cair, mesmo...
Concordo que a humanidade não é constituída de "gente idêntica", concordo que a sociedade está replata de "valores esmigalhados", concordo que adolescentes quase sempre acham que a escola é "perda de tempo"... concordo que ainda há muito o que fazer!
o papel da escola é "formar o cidadão", em sua totalidade, para a vida. A educação não tem por objetivo primordial preparar para o mercado de trabalho. Preparar para o mundo do trabalho não quer dizer isso!
Por ser tão complexa, a discussão fica baseada em equívocos de leitura.
Assim, a escola forma o sujeito, para a vida, para a sociedade, para o mundo do trabalho. A profissão que a pessoa vai escolher, em que ramo vai atuar, a sua "colocação no mercado de trabalho" não são necessariamente conteúdos escolares (são técnicos, profissionalizantes, acadêmicos)...
Em outras palavras, o papel social da educação é humanizar, socializar conhecimentos construídos historicamente pelo ser humano, ampliar as possibilidades de crescimento intelectual e a reflexão.
Puro e simples.
Se ela não conseguir entender nem isso, que saiba rebolar bem ou que se acostume a comer Alface! Risos.